segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A CONSTRUÇÃO PSICOSSOCIAL DE ZÉ PEQUENO: UMA ANÁLISE DENTRO DE “CIDADE DE DEUS”


          O filme “Cidade de Deus”, realizado por Fernando Meirelles com base no livro de mesmo nome do escritor Paulo Lins, retrata a história do tráfico de drogas e da crescente violência em um bairro da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, a partir de meados da década de 1960[1], estendendo-se até ao início dos anos 1980. Dentro da narrativa – que se divide em três partes principais, acompanhando o relato do personagem de nome “Buscapé”- ganha destaque uma personagem que, inicialmente, é chamado de “Dadinho” e, posteriormente, passa a chamar-se “Zé Pequeno”.
           O esboço de uma análise acerca da construção psicossocial de “Zé Pequeno” passa necessariamente pelo polêmico conceito de exclusão ainda que, como afirma Wanderley, “pobreza e exclusão não podem ser tomadas simplesmente como sinônimos de um mesmo fenômeno” (WANDERLEY, 2006, p. 20). Todavia, o menino “Dadinho” cresce dentro de um contexto geográfico e social, desprovido da presença do Poder Público, a quem caberia fomentar condições mínimas de assistência e convívio comunitário (saneamento, saúde, educação, lazer, entre outros), o que aliado à pobreza, constitui um ambiente altamente propício ao surgimento da criminalidade e da violência.

      À falta de instâncias de gestão e resolução de conflitos, bem como, de melhor negociação e de conciliação, a violência passa a constituir a linguagem relacional e cotidiana, inclusive entre crianças, que na falta de referenciais mais adequados, constituem como ídolos e heróis, os criminosos locais, no caso do filme o “Trio Ternura”.  Assim, o crime passa a constituir uma saída para jovens pobres, desprovidos de maiores e melhores perspectivas, uma forma cruel de inclusão e valorização pessoal, de “ter” e “ser”, mesmo que dentro dos limites geográficos da favela.

           Este era o mundo de um “Dadinho” totalmente prejudicado em seu desenvolvimento com ser humano. A falta de referências e de um lastro identitário, produzida pela ausência ou deficiência de instituições como família, escola, igreja, trabalho e Estado, produziram em sua vida:

  • Deficiência em seu desenvolvimento mental e orgânico;
  • Prejuízo à organização das atividades mentais; e
  • Distorção das formas de perceber, compreender e se comportar diante do mundo, a partir da infância, levando-o a assumir uma postura violenta e criminosa.
Outro elemento que se pode destacar nessa composição psicossocial, reside na atração pela arma como um ícone, um símbolo do poder pessoal, principalmente, o poder de matar, o que nos torna uma espécie de “deuses” com poder para matar ou deixar viver e, por conseguinte, com forma de impor o reconhecimento e o respeito alheio. Esse reconhecimento e respeito, não se prendem unicamente ao poder de matar (que com o passar do tempo, banaliza o ato de assassinar alguém), mas, também, no fato de ser o “herói” que protagoniza aventuras, que os outros – os otários – não têm coragem, não são “machos” ou suficientemente espertos para realizar. Com o tráfico de drogas e o domínio das bocas da favela, o agora “Zé Pequeno”, “vê” a possibilidade de alcançar o respeito e o reconhecimento que buscava. Assim, tornou-se necessário eliminar todo aquele que pusesse em risco sua autoafirmação como o senhor daquela seara, temido e respeitado, o que se pode perceber pela constante preocupação em apossar-se da boca da personagem conhecida por “Cenoura”.
Esta é a história de “Marcolas”, “Fernandinhos Beira-Mar” e tantos outros que fizeram do crime e da arma seu referencial de poder, sua base de afirmação pessoal, conquistaram fama e prestígio. Fica no ar a pergunta: quantos “Dadinhos” ou “Zé Pequenos” serão necessários para que a sociedade acorde ao clamor que vem das incontáveis “Cidades de Deus”, onde quem reina parece ser o diabo.



[1] Provavelmente, o ano de 1967, seguinte à terrível enchente que castigou o Rio de Janeiro, em 1966, quando considerável número de pessoas morreu ou ficaram desabrigadas, em especial, aquelas que habitavam em áreas cuja população compunha as camadas da sociedade, menos privilegiadas economicamente.


REFERÊNCIA


WANDERLEY, Mariangela Belfiore. Refletindo sobre a noção de exclusão. In: SAWAIA, Bader (org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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