Resumo: A intensificação das práticas violentas nos principais centros urbanos brasileiros, têm sido um das mais notórias temáticas de múltiplas pesquisas e publicações, alvo permanente dos veículos de comunicação. Passando por uma breve reflexão teórica, verifica-se que a eclosão do fenômeno com uma nova roupagem, a partir dos últimos 30 anos do século passado, transcendeu o caráter meramente instrumental que lhe foi atribuído pelas correntes estruturalistas, em especial, pelo marxismo, fazendo ruir, por conseguinte, a “teoria da marginalidade” elaborada por cientista sociais latino-americanos. Assim, a violência esvaziou-se de um conteúdo ideológico, que canalizava interesses e estabelecia referenciais e identidades, os quais emprestavam um sentido à vida e legitimavam as ações. As profundas mudanças estruturais que atingiram a sociedade contemporânea, têm conduzido a novas paisagens culturais relativas a classe, sexualidade, etnia, gênero, raça e nacionalidade, as quais formavam um lastro referencial na localização dos indivíduos. Essas transformações geram um “vazio de referentes”, o que contribui, incisivamente, para alterações na identidade e nas relações de sociabilidade entre pessoas, grupos e categorias. No intervalo entre a mudança dos antigos referenciais e o estabelecimento de novas composições sociais, a violência manifesta-se como “instrumento e linguagem de negociação” entre grupos, visando um rearranjamento da ordem. Nesta ótica, é essencial que os órgãos policiais promovam mudanças, não só no âmbito de suas estruturas, contudo de ordem cultural, que possibilitem aos seus integrantes uma aproximação às comunidades que se dispuseram servir e, conseqüentemente, através da compreensão da rede de relações e dos processos interativos inter-grupais, bem como, dos demais elementos culturais próprios de cada localidade. Logo, a filosofia e o implementação das atividades de uma “polícia comunitarizada” concorre para o estabelecimento de um organismo policial que funcione, não mais como mero elemento de coerção, todavia como “facilitador” na administração e solução dos conflitos sociais. O processo de comunitarização da polícia portanto, ainda que não seja o único viés para o estabelecimento de um clima de paz e tranqüilidade pública, é condição que se apresenta como básica para que a sociedade brasileira, em especial, os segmentos menos favorecidos, atravessem as turbulências das transformações mundiais com maior segurança.
Introdução
Pertencente ao cotidiano das metrópoles mundiais e recorrente aos períodos mais remotos da existência humana, a violência encontra-se presente nas relações que regem a vida das sociedades. O fenômeno ganha proeminência tal na atualidade que, principalmente nas grandes concentrações urbanas, “pensar e agir em função dela deixou de ser um ato circunstancial, para se transformar numa forma do modo de ver e viver o mundo do homem” (Odália, 1986, p. 9). Segundo Cardella, “a violência manifesta-se na vida em sociedade. É portanto uma variável social” (Cardella, 2000, p. 76). O fenômeno já não se manifesta como uma condição básica da sobrevivência humana diante de um mundo natural hostil, entretanto, através deste homem, sujeito da história, a violência ganhou novos contornos, evoluiu, aprimorou-se em seus artefatos tecnológicos e passa a determinar a forma pela qual algumas sociedades, ou parte delas, organizam sua vida.
Na visão de Gilberto Velho:
“A vida social em todas as formas que conhecemos na espécie humana, não está imune ao que se denomina, no senso comum, de violência [sic], isto é, o uso agressivo da força física de indivíduos ou grupos contra os outros. Violência [sic] não se limita ao uso da força física, mas a possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza. Vê-se que, de início, associa-se a uma idéia de poder [sic], quando se enfatiza a possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um ator sobre outro. ” (Velho: 2000; 11)
De acordo com Zaluar (1999), existe uma dificuldade em definir-se o que é violência e a qual tipo de violência está se referindo, a partir de sua etimologia[1], caracterizando-se pelo emprego excessivo de força, ultrapassando certos limites acordados nas regras que ordenam as relações, promovendo perturbações à convivência social. Assim, entende-se que a percepção de um ato como violento varia, histórica e culturalmente, em função da percepção do limite de força que demanda, da perturbação gerada e/ou do sofrimento que promove. Essas variações mostram-se um tanto evidentes, quando observada a eclosão de fenômenos violentos em todo o mundo, no terço final do século passado, e as novas mudanças conceituais que provocaram quanto ao entendimento relativo à manifestação da violência nas sociedades.
Violência: uma reflexão teórica
Na ótica de Michaud (1989), a violência varia de sociedade para sociedade onde cada grupo tem seu entendimento próprio acerca do fenômeno, como decorrência dos processos culturais aos quais foram submetidos e o momento histórico vivenciado. Como exemplo, pode-se verificar que nos anos 50 e 60 do século passado, diversos intelectuais manifestaram-se favoráveis ao exercício da violência pelas camadas populares, contra regimes ditatoriais que visavam unicamente assegurar os interesses e privilégios de grupos dominantes, ou ainda, contra a opressão colonialista de outro Estado.
Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, fazem referência à “guerra civil” existente no meio social, “até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e a derrubada violenta da burguesia estabelece a dominação do proletariado” (Marx e Engels, 1978, p. 104). Todavia, a visão marxista prende-se mais ao aspecto concreto da violência, não demonstrando uma maior preocupação com manifestações mais “abstratas” do fenômeno como, por exemplo, a “violência simbólica”. Pode-se citar, ainda, as reflexões de Sorel (1993) acerca da violência como elemento de papel criativo essencial na história, permitindo a negação revolucionária da ordem existente. Sorel defendia essa violência como um elemento de purificação e libertação do proletariado.
O caráter instrumental atribuído à violência pelas teorias mais estruturalistas (Diógenes, 1998), em especial, pelo marxismo, pode ser visualizado no pensamento de Max Weber. Para Weber (1974), o “poder” consiste na possibilidade de impor a própria vontade ao comportamento do outro e, esse poder, só poderá ser exercido por intermédio da coerção. Quando o Estado impõe aos indivíduos uma norma, faz uso de seu poder sobre os grupos e categorias, e para a consecução desse propósito, faz uso da violência, que no entendimento de Weber, nesse caso, é legítima. De acordo com o pensamento de Stoppino:
“O recurso à Violência é um traço característico do poder político ou do poder do Governo. Uma das definições mais abrangentes e mais difundidas do poder político, que tem sua origem na filosofia política clássica e, especialmente, no pensamento de Hobbes, e foi melhor enunciada em seu sentido sociológico por Max Weber, baseia-se no monopólio da Violência legítima. Esta importância da Violência deriva, de um lado, da eficácia geral das sanções físicas e, de outro, da finalidade mínima e imprescindível de todo Governo (...) a função de aterrorizar da Violência é indispensável, pelo menos, para obter a finalidade mínima de um Governo, isto é, a manutenção das condições externas que salvaguardem a coexistência pacífica. “ (Stoppino apud Bobbio et al, 1997, p. 1293)
Nos anos 60, grupos de cientistas sociais latino-americanos desenvolveram uma teoria da marginalidade, que passou a fundamentar idéias classificadas como “apressadas e preconceituosas” (Zaluar, 1994, p. 136), como uma suposta aliança entre bandidos e trabalhadores, nas favelas do Rio de Janeiro, que passaram a ser consideradas territórios sob um novo poder, ou seja, o “governo da marginalidade”. Como observa Zaluar:
“Do ponto de vista da direita, esta aliança é tomada como prova de que ‘o meio social sem moral’ da favela ou da pobreza torna os pobres indignos de confiança, perigosos e potencialmente criminosos, necessitando sempre de políticas dissuasórias (grifo nosso) para reprimir suas inclinações para o crime (...) Pela visão da esquerda, os despossuídos unidos montam uma força de combatentes armados que resistem ao ‘sistema’, à ‘ordem’ ao ‘Estado capitalista’ (grifo nosso). Bandidos viram revolucionários apenas porque fogem da polícia mas se aliam a ela no crime organizado e usam armas.” (Zaluar, 1994, 137)
A partir da década de 70, uma série de acontecimentos violentos, ocorridos em todo o mundo – mormente, na Europa e nos Estados Unidos – passou a preocupar os intelectuais. A violência deixa de ser percebida como instrumento de libertação dos oprimidos e de assumir um papel purificador e criativo, para revestir-se de um “caráter molecular, (...) contestador, inusitado das gangues, grupos de amotinados ou ‘grupelhos’ de diversos tipos que atuavam nos centros urbanos” (Costa, 1999, p.5), desvinculado de conexões com as lutas de interesses mais amplos, provocando a agressão gratuita e a indiferença ao sofrimento dos semelhantes. Com a chegada dos anos 80, os fenômenos violentos ganharam grande visibilidade, com o crescimento do número de homicídios, atos de vandalismo, crimes e agressões, e uma peculiaridade que fugia às expectativas: uma parcela considerável desses atos, eram praticados por pessoas que não se enquadravam dentro dos grupos considerados pobres e excluídos, antes pertenciam a categorias que, aparentemente, não teriam quaisquer motivos para tais práticas.
A violência manifesta no fim do século passado e início do presente, esvaziou-se de um conteúdo ideológico, que de certa forma, servia como unificador e canalizador de interesses, estabelecia referenciais e identidades, que davam sentido à vida e legitimidade às ações. Baudrillard (1990), faz referência ao comportamento de jovens envolvidos com práticas violentas e ao caráter “lúdico” que atribuem a elas, fundados na busca pela fama num mundo competitivo e na excitação pelo risco, que potencializa os níveis de adrenalina no corpo. Alguns fatos veiculados pela imprensa podem exemplificar essa análise: os jovens que atearam fogo no índio Galdino na cidade de Brasília, os arrastões promovidos por “pivetes” nas praias do Rio de Janeiro, alguns casos de rebeliões em reformatórios para adolescentes, os atos de vandalismo promovidos por jovens integrantes de torcidas organizadas, entre outros.
Na sociedade brasileira encontram-se grupos como as “galeras”, as “gangues”, as “torcidas organizadas”, os “carecas de subúrbio”, os “pichadores” e as “turmas” em geral, compostos por jovens e exibindo a violência como uma variável, uma marca visível em suas manifestações e participação social. Não desprezando os aspectos econômicos e políticos da violência, intrínsecos à realidade do país, vale observar a análise de Diógenes ao referir-se à juventude e sua participação nesses grupos, quando argumenta que:
“A juventude é o segmento que mais catalisa as tensões sociais como também as exterioriza, a juventude é a vitrine dos conflitos sociais (...) O processo de formação de ‘grupos urbanos’, constituindo uma pluralidade de turmas denominadas ‘galeras’, parece expressar uma maneira de os jovens se contraporem ao vazio de referentes (grifo nosso) que recortam o cotidiano das grandes cidades. Eles formam verdadeiros territórios, onde a circulação é apenas permitida entre os ‘enturmados’.” (Diógenes, 1998, p. 165,167)
Destaca-se a expressão “vazio de referentes” na citação de Diógenes, como uma das chaves para que se possa entender a violência praticada por estes e outros grupos, bem como, recorrentes às mutações societais da atualidade. Hall (2001) afirma que, para alguns teóricos, as identidades modernas estão entrando em colapso como decorrência de uma mudança estrutural que vem transformando as sociedades, desde o final do século passado. Como consequência, há uma fragmentação nas paisagens culturais de classe, sexualidade, etnia, gênero, raça e nacionalidade, “que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (Hall, 2001, p.9). Esse processo histórico-social contemporâneo de formação da sociedade global é inegável, definindo-se pela integração e pela homogeneização de tensões, desigualdades, diferenciações e exclusões, ocorrendo de forma contraditória, heterogênea e desigual[2] (Santos, 1999).
Há uma transformação das relações de sociabilidade, onde de forma simultânea, ocorrem processos de “integração comunitária e de fragmentação social, de massificação e de individualização, de ocidentalização e de desterritorialização” (Santos, op cit, p. 18). Passou-se a viver um social heterogêneo, onde nem grupos, nem indivíduos dão demonstrações de reconhecer valores coletivos, o que tem por conseqüência, o surgimento de multiformes organizações societárias e lógicas de conduta[3]. Todavia, a violência não fica restrita às implicações dos processos estruturais, mas é fomentada por especificidades e fragmentações locais, moleculares. De acordo com Hobsbawm, “essas transformações na base da vida social geram uma corrosão e uma transformação das referências e dos estilos de vida das pessoas” (Hobsbawm apud Costa, 1999, p. 9). Torna-se, portanto, interessante observar, ainda que de forma abreviada, algumas questões quanto ao fenômeno da violência no Brasil contemporâneo.
A Violência no Brasil Contemporâneo
No cenário brasileiro contemporâneo, o tema da violência tem ocupado um lugar de crescente destaque, apresentando-se, cotidianamente, como foco da mídia, objeto de estudos e debates acadêmicos, bem como, evidenciando-se no discurso dos atores políticos e como uma preocupação generalizada na sociedade.
As paisagens urbanas tupiniquins, a partir do final do século XX, tornaram-se espaços privilegiados para a visibilidade de uma violência que se caracteriza por apresentar distintas manifestações. As teorias explicativas diversificam-se, todavia mostram-se insuficientes para aclarar toda a complexidade de variáveis que provocam e contribuem para o desenvolvimento do fenômeno, que tem um índice de ocorrências cada vez maior.
As manifestações de violência no Brasil vêm, ao longo do tempo, passando por um processo histórico de mudanças. E nesta ótica, é interessante verificar alguns aspectos elementares dessa transformação como, por exemplo, o conjunto de fatos e questões que marcaram os últimos cinqüenta anos da história política brasileira, bem como seus respectivos significados e conseqüências para a vida do povo e das instituições nacionais, podendo-se tomar, por exemplo, a volta à democracia e a questão da cidadania.
Percebe-se quanto à questão da violência em suas raízes sociais no Brasil contemporâneo, que, à medida que o país retornou à democracia, os índices de violência cresceram de forma intensa. De acordo com Peralva (2000), no período em que a abertura política tinha início, ou seja, nos anos 80, houve um crescimento das taxas de homicídio, que alcançaram índices até então impensados, para não falar no aumento da ocorrência de outras formas de violência. Segundo os dados levantados pela autora, entre 1979 e 1980, o número de crimes de sangue, em todo o território nacional, cresceu em 25%, e entre 1980 e 1997, a taxa de homicídios por cada 100 mil habitantes cresceu, aproximadamente, 120,3%. E este fenômeno deve-se, conforme a análise de Peralva (2000), a quatro fatores básicos: a continuidade autoritária, a desorganização das instituições responsáveis pela ordem pública, a pobreza e o impacto das mudanças sociais.
A continuidade autoritária, apesar da abertura política, refletiu-se, essencialmente, nas instituições públicas, mormente, naquelas responsáveis pela ordem pública. Um traço marcante deste fato, foi a quase que total manutenção do modelo policial vigente no período de exceção. Apesar das reformas político-administrativas de cunho democrático nos Estados-membros, inclusive com a eleição direta para governadores, em 1982, o governo federal mantinha as Polícias Militares sob a tutela do Exército, com base no Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, e em 1977, através da emenda constitucional nº 7, estabeleceu que os julgamentos de crimes cometidos por policiais militares só poderíam ocorrer por intermédio de tribunais militares.
Embora a Constituição de 1988 tenha restabelecido a tutela dos governadores sobre as Polícias Militares de seus respectivos Estados – a exemplo do que ocorria com as Polícias Civis – o texto constitucional ainda assim, manteve o “espírito” autoritário, quando coloca as milícias estaduais como “forças auxiliares e reserva do Exército”[4]. Assim, a PM manteve-se como uma força militarizada e mesmo, posteriormente, tendo sofrido alguns avanços estruturais e no tocante ao diálogo de seus comandantes, continuou “operando dentro de parâmetros e com a mentalidade histórica dos períodos do escravismo, do Estado Novo e, principalmente, do arbítrio dos anos pós-64.” (Mendes: 1999; 19).
Ao fim do regime autoritário, questões como delinquência e criminalidade, passaram a integrar, destacadamente, a agenda do debate público e, como afirma Peralva:
“Muita gente pensava que, para reduzir o número de crimes era necessário intensificar a repressão, inclusive talvez empregando diretamente as Forças Armadas em funções de polícia. Mas admitia-se também que uma violência com fim de autodefesa fosse diretamente exercida pela sociedade civil. O Estado aceitou, assim, transferir para essa mesma sociedade civil parte de uma violência sobre a qual até ali, mal ou bem, ele havia geralmente exercido um monopólio.” (Peralva: 2000; 76-77)
Neste panorama sócio-político – onde havia uma tendência ao emprego de métodos violentos pela polícia, à defesa da pena de morte e à implantação do justiciamento ilegal de criminosos – desenvolvia-se a noção de “autoritarismo socialmente implantado”, o que de certa forma, refletia uma insegurança com relação aos destinos do país e acerca de uma violência urbana crescente. E neste ponto, é importante analisar o segundo fator apontado por Peralva como elemento de composição do quadro da violência urbana, a desorganização das instituições responsáveis pela ordem pública.
O período de transição entre o regime autoritário e o regime democrático em nosso país, mostrou-se (e mostra-se) complexo para as instituições policiais. Se por um lado os militares criaram diversos óbices legais visando impedir uma reforma do aparelho policial, por outro a polícia autonomizava-se em relação às autoridades que mantinham-lhe sob tutela. Logo, nem os militares conseguiam controlá-la totalmente e muito menos, os governantes estaduais. Isto privilegiou uma polícia vestida de autoritarismo, porém sem um maior controle político por parte da sociedade como um todo. Em conseqüência, surgem novas formas de violência policial, com uma gama de violações aos direitos do homem e, o que é pior, uma criminalidade policial diversificada que explora a cobertura institucional para suas práticas ilícitas.
O processo de redemocratização, durante o qual o conceito de cidadania principiou a ganhar corpo na sociedade brasileira, promoveu a revalorização dos direitos individuais, ao mesmo tempo que a sociedade exigia que os órgãos de segurança exercessem um efetivo controle sobre a criminalidade. Todavia, as instituições policiais, principalmente as militares, foram flagradas no mais elevado despreparo para lidar com estas questões, considerando o tempo que passaram muito mais como forças de defesa territorial e de repressão, longe portanto de suas real missão. Além disso, com a crise econômica que afligia o país, na virada dos anos 80, os governos estaduais passaram a canalizar, mais intensamente, os recursos orçamentários para outras áreas de investimento, em detrimento das políticas de segurança, o que agravou o desaparelhamento das polícias.
Daí, pela crença generalizada que o aumento da repressão, inclusive com emprego das Forças Armadas e implementação da pena de morte, bem como, pelo autoritarismo impregnado na cultura institucional da PM, o recurso da violência, dos atos truculentos, foi e e continua sendo uma resposta, que visa “disciplinar” e “punir” os transgressores de uma lógica, nem sempre tão lógica, e de uma ordem, nem sempre legal. Neste estado de coisas, a qualquer momento, pode-se passar de cidadão a condição de suspeito em potencial.
Como terceiro fator fomentador da violência urbana no Brasil, cita-se a pobreza, ainda que muitos estudiosos recusem-se a estabelecer qualquer relação entre pobreza e violência. Os dados empíricos coletados em diversas pesquisas, efetuadas por institutos públicos e privados confiáveis, demonstram claramente que, se for traçado um mapa da violência nas regiões metropolitanas das principais capitais brasileiras, perceber-se-á que as áreas mais atingidas por práticas violentas e, mais especificamente, por mortes violentas, são aquelas habitadas pelas camadas menos privilegiadas da sociedade. O mesmo fato pode ser comprovado se observado a condição social da maioria da população carcerária nos Estados e os mapas de intervenção policial. Segundo Pinheiro:
“Ainda que a violência ilegal esteja disseminada pelas áreas rurais e pelo interior do Brasil, as manifestações mais visíveis dessa ‘violência endêmica’ ocorrem nas áreas urbanas. Na maior parte das regiões metropolitanas há uma coincidência entre os lugares onde os pobres vivem e a violência: ali a morte é principalmente provocada por causas violentas.” (Pinheiro, 1996, p. 23)
É indiscutível a existência de um vínculo entre pobreza e violência. Este é um terreno fértil para servir como nascedouro de práticas violentas, ainda que não seja o único explicativo para todas as variáveis desse fenômeno. Contudo, a ocorrência de atos violentos, em geral, apresenta seus maiores índices naquelas localidades onde são mais evidentes os estados de carência sócio-econômica. Segundo Pinheiro:
“Há clara correlação entre as condições de vida, violência e as taxas de mortalidade, onde condluem violações de direitos civis e políticos e violações de direitos sociais e econômicos (...) qualquer tentativa de identificar uma relação causal entre fatores sociais e econômicos e violência seria profundamente enganadora. Mas o crime, ainda que seja uma questão de responsabilidade moral e individual, é irrecusavelmente uma questão social e econômica. O ambiente, compreendido como o meio familiar, o meio cultural e a condição social, contribui para que os grupos mais espoliados , desempregados, aqueles fora do sistema de educação e os marginalizados estejam mais envolvidos em conflitos violentos e crimes do que os entitled [sic] e os remediados(...).” (Pinheiro, 1996, p. 23)
Por fim, o quarto fator a ser analisado como provocador de violência trata do impacto da mudança social, ocorrida no Brasil a partir dos anos 80 e que tomou novo impulso a partir da intensificação do processo de globalização no fim do século passado. Os avanços no sentido da redemocratização brasileira, principalmente com a promulgação da Carta de 1988, deu visibilidade a determinados grupos, outrora sem maior expressividade quanto á sua participação social, como assevera Velho ao colocar que “categorias oprimidas e diversas minorias passaram a ter mais reconhecimento e presença na sociedade” (Velho, 2000, p. 18). Gohn corrobora para esta idéia ao afirmar a importância dos anos 80 “para para a compreensão da construção da cidadania dos pobres no Brasil, em novos parâmetros” (Gohn, 1995, p. 124). Isto significa dizer que, mesmo tendo seus direitos constitucionais negados ou ignorados na prática, os pobres pelo menos saíram do “ostracismo social” e passaram a ser nominados como “cidadãos”.
Na verdade, a difusão da idéia que havia uma certa dinâmica igualitária e que, a partir de então, todos eram cidadãos, gerou uma falsa expectativa. E é exatamente neste espaço de insatisfação, em meio a um estado de tensão social, que explode uma violência sem precedentes, diversificada e cruel. Na visão de Velho (2000) e Zaluar (1994), o não acesso das camadas menos privilegiadas economicamente aos bens de consumo expostos ao público pela mídia e que recebem uma valoração positiva dentro da cultura de massas, provoca um acirramento das relações de tensão e ódio social.
Velho considera que a impossibilidade de acesso a esses bens por parte das camadas populares, reforçada pela “inadequação de meios legítimos para realizar essas aspirações” (Velho, 2000, p. 20) provoca o fortalecimento do mundo do crime. E prossegue afirmando:
“A incapacidade específica do poder público em gerir e atender às necessidades básicas de uma população pobre, em acelerado crescimento, acentua mais ainda este quadro (...) é importante perceber que existe uma efetiva adesão de parte desses jovens pobres à transgressão, sustentada pela crença de que os riscos nela envolvidos são compensados por gratificações sociais que nem se colocavam para a geração de seus pais, pois estes ocupavam posição subalterna no mundo hierarquizado. O acesso à droga e à arma é a base desse estilo de vida, que torna possível usufruir uma pauta de bens de consumo e um prestígio que facilita, entre outras coisas, o sucesso junto às mulheres e o temor entre os homens.” (Velho, op. cit, p. 20-21)
É interessante observar o que expressa Nascimento quanto à questão da violência contemporânea no Brasil e o fato deste fenômeno ocupar o centro da conjuntura social no país pois, a síntese de suas conclusões acerca do assunto, aponta para uma similaridade ao pensamento de Velho e Zaluar. Segundo Nascimento, “tornou-se mais difícil deixar de ser pobre, aumentou o apelo para deixar de ser pobre, reduziu-se as pressões para o desvio e criaram-se alternativas para romper ilegalmente o círculo da pobreza” (Nascimento, 2001, p.20), o que implicaria em um risco maior, com a “criação de uma nova exclusão social; grupos sociais economicamente desnecessários, socialmente perigosos, politicamente incômodos” (Nascimento, op. cit, p. 21) e, por conseguinte, passíveis de eliminação física[5].
Angelina Peralva afastando-se do pensamento de Velho e Zaluar, considera como fatores fundamentais ao surgimento da nova violência no Brasil, em especial, nas regiões metropolitanas, a desvalorização do trabalho na “estruturação da experiência coletiva” (Peralva, 2000, p. 84), a valorização da educação como elemento de apoio às escolhas individuais e o crescimento da participação dos jovens pobres no consumo de massa, pela queda relativa dos preços dos produtos. Peralva adverte que “essas mudanças tiveram impacto indiscutível sobre o sentimento [sic] de igualdade, seja qual for a importância real das extraordinárias desigualdades de renda que se mantêm na sociedade brasileira. Elas estão na base de uma nova conflitualidade urbana, efetivamente contaminada pelas formas de violência ao extremo que o crime adquiriu no Brasil.” (ibid)
De acordo com sua interpretação, Peralva não concebe estipular um vínculo entre esta nova conflitualidade e a questão do engajamento na prática criminosa, considerando que esse engajamento firma-se em lógicas de tal complexidade, onde é necessário observar toda a gama de variáveis no entorno dos sujeitos envolvidos e que, segundo esta autora, “determinam em larga medida o leque das escolhas que se lhes oferece” (ibid).
Assim, Peralva comenta que existe uma nítida relação associativa entre as transformações mais recentes da sociedade brasileira e o aumento da violência, considerando que, com as mudanças, antigos vínculos são desfeitos, são criadas novas articulações e, no intervalo, surge a violência. Segundo essa autora, esse fenômeno não é próprio apenas do Brasil, mas desenvolveu-se em diversas sociedades contemporâneas onde ocorreram transformações sociais de grandes proporções. De acordo com Peralva, “é sobretudo a ausência de mecanismos de regulação apropriados a um novo tipo de sociedade emergente que explica a importância dos fenômenos de violência mais maciços e mais espetaculares.” (Peralva, op. cit., 85). Silva Filho corrobora com essa afirmações ao expor que:
“Parece que um conjunto perverso de condições, em algumas regiões, favorece o desenvolvimento de uma subcultura de violência que valida a transgressão como solução para as frustrações e a agressão como expediente de resolução de conflitos (grifo nosso) (...) É provável que o desencorajamento da violência se deva fazer com recursos morais competitivos – o velho embate entre o bem e o mal –, nem sempre estimulados quando o ladrão mais procurado do País é um juiz e pessoas se transformam em ricos gênios financeiros quando fazem carreira política. Só liderança moral pode enfrentar a maldição de Macunaíma.” (Silva Filho, 2000, p. 2)
Peralva aponta o diferencial entre a violência transcorrida no Brasil e em outras partes do mundo, principalmente na Europa, “as formas sangrentas que entre nós assume, em razão da ausência de políticas suscetíveis de garantir a ordem pública preservando-se ao mesmo tempo os direitos da pessoa” (Peralva, op. cit, p.85). Como observa Pinheiro, “ao mesmo tempo em que foram eliminadas as violações mais fortemente cometidas contra os direitos humanos cometidos pelos regimes militares, os governos civis recém-eleitos não tiveram êxito em proteger os direitos fundamentais de todos os cidadãos” (Pinheiro, 1997, p. 44). As mudanças sociais e a incapacidade dos governos em desenvolverem políticas públicas que assegurem a ordem pública, aliam-se à falta de uma reestruturação das instituições policiais, sem a qual torna-se inviável a “oxigenação” de seus quadros; a mudança de uma mentalidade militarizada, conservadora, restrita e pesada, para um pensamento aberto, moderno, holístico e ágil; e da efetiva modernização de suas práticas, atentando para a cientificidade, para a legalidade e para a humanidade.
Assim, percebe-se o desencontro entre os avanços sociais rumo ao pleno estabelecimento e solidificação do Estado Democrático de Direito e as ações de segurança pública, com a permanência na estrutura da polícia de uma cultura instituciona que ainda privilegia a violência e a conduta truculenta, como elementos de negociação com outras categorias.
3. O Processo de Mudança nas Instituições Policiais
As transformações sociais ocorridas no Brasil ao longo dos últimos 20 anos e, mais efetivamente, os avanços alcançados pela criminalidade, têm conduzido a Polícia, forçosamente, a revisar seus conceitos e práticas.
O renascimento da democracia na sociedade brasileira, com a difusão da idéia de cidadania e dos princípios de Direitos Humanos, fazendo com que o povo não aceite mais uma ação policial autoritária, caracterizada pela truculência, pelo arbítrio, pela subserviência e pelo preconceito. Ainda que de uma forma tímida entre as classes menos favorecidas, a consciência relativa à questão dos direitos fundamentais e dos problemas sociais, mormente, da segurança, ganha corpo e faz com que as pessoas cobrem do poder público e das instituições policiais uma nova postura, mais eficiência, eficácia e efetividade. Evidenciaram-se, portanto, “a aparente incompatibilidade entre as necessidades de segurança das camadas médias, altas e elites, e as necessidades de segurança da população mais pobre” (Silva, 1990, p. 21). Logo, viu-se a urgência de compatibilizar-se o trabalho policial com as carências de segurança das camadas menos favorecidas, partindo, em um primeiro momento, para a minimização dos conflitos até então existentes entre povo e polícia.
Assim, as pressões populares e a necessidade do Estado de oferecer uma resposta adequada quanto à prevenção e à repressão de condutas e atos criminosos, oferecendo àquelas categorias maiores e melhores condições de segurança, bem como, níveis mais satisfatórios no que tange ao esclarecimento de fatos delituosos e contravencionais, conduziram as autoridades à busca de um novo modelo de Polícia que viesse de encontro a essas expectativas. Desta feita, dois processos fundamentais foram desencadeados no âmbito das polícias estaduais brasileiras. O primeiro, as parcerias entre a Academia e as instituições policiais e, o segundo, a difusão do conceito de polícia comunitária como a mais moderna e ideal concepção de polícia no atendimento às demandas de segurança pública da sociedade brasileira.
a. A parceria entre a Academia e as Polícias
O desenvolvimento de parcerias entre universidades, institutos de pesquisa, organizações não-governamentais e as polícias, através de convênios, foi uma a iniciativa, mormente da sociedade, em especial, da Academia e de alguns policiais estudiosos da profissão.
Mostrando-se bastante férteis e promissoras quanto as opções que apontam e pelas consideráveis mudanças qualitativas que podem proporcionar nas organizações policiais, visam, essencialmente, um trabalho conjunto no desenvolvimento de atividades pedagógicas, com a definição de conteúdos programáticos, o redimensionamento da formação, do aperfeiçoamento e da especialização de policiais, bem como, inserção de novos valores técnicos, morais e, principalmente atitudinais, junto aos integrantes dos órgãos de segurança pública, “pela inserção de atores externos ao trabalho policial” (Sapori, 2001, p. 1).
Ainda que essas relações sejam pautadas pela desconfiança mútua e um clima de animosidade, recorrente ao período de arbítrio vigente no país a partir de 1964, pouco a pouco, surgem elementos conciliadores no cerne das instituições parceiras, o que tem contribuído para um arrefecimento desses conflitos e possibilita o estabelecimento de uma convivência harmoniosa e profícua que tem como seus principais benefícios:
1) o aprimoramento técnico-profissional e cultural dos quadros policiais, com a aquisição e o desenvolvimento de novos conhecimentos e valores, possibilitando uma ação mais eficiente, eficaz e efetiva;
2) a abertura de novas frentes de pesquisa científica que permitam a compreensão dos fenômenos sociais vinculados à manifestação da violência e da criminalidade e, por conseguinte, o estudo de ações que contribuam para sua minimização e controle;
3) a permanente permuta de experiências, informações e conhecimentos contribuindo para a melhoria e ampliação dos serviços prestados à sociedade, além da efetivação de novos serviços que contribuam para a melhoria das condições de segurança pública;
4) a efetiva participação da Academia e dos centros de pesquisa, não apenas como centros de produção de saber, mas como difusores e participantes do processo de desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida do cidadão, na área da segurança;
5) o oferecimento de um serviço de segurança que goza do aprimoramento técnico-científico, sem descurar das questões afetas à cidadania, do respeito aos direitos fundamentais e da administração de conflitos.
Todavia, embora esse processo apresente-se como essencial na consolidação de uma política de segurança formatada dentro de padrões democráticos e, como afirma Sapori, “viabilizando mecanismos de transparência das organizações policiais” (Sapori, 2001, p. 5), é importante que se identifiquem os impactos institucionais que provoca. Ainda que as motivações sejam nobres e que a maioria das instituições concordem quanto à urgência na promoção de mudanças conceituais e estruturais no âmbito da polícia, não se pode limitar tais mudanças, meramente à adoção de novos processos pedagógicos e conteúdos programáticos, mesmo considerando que a Educação seja a grande ferramenta para as transformações que se pretende. obter. Portanto, cinco medidas podem ser vistas como importantes para identificar que impactos tais parcerias podem provocar no âmbito das instituições envolvidas:
a. O desenvolvimento de estudos referentes à cultura institucional, com referencial nos processos sociais que contribuíram para sua construção, na história, nos valores, nas crenças, nos símbolos e nos mitos institucionais;
b. A determinação de modelos e parâmetros desejáveis para as organizações policiais, bem como, seu nível de articulação sócio-política e envolvimento nas relações sociais e na administração de conflitos dentro das diversas comunidades nas quais irão atuar;
c. O estabelecimento de uma metodologia que ordene de forma lógica e produtiva o conjunto de ações a serem desencadeadas tanto na efetivação das mudanças desejadas, quanto na análise dos resultados obtidos e impactos causados por essas ações e medidas decorrentes;
d. A elaboração de indicadores, com respectivos métodos de coleta de dados, representação e análise, que viabilizem mensurar os impactos institucionais variados;
e. A formação de equipes multidisciplinares e inter-institucionais que realizem a análise dos dados coletados, produzindo documentação relativa aos impactos institucionais, principalmente, no tocante às transformações culturais ocorridas, às práticas decorrentes dessas transformações e às consequências para a sociedade em geral.
A adoção dessas medidas concorrerá para um aprimoramento das parcerias, minimizando algumas falhas que se tem percebido atualmente. Em primeiro lugar, a incipiência das ações quando se voltam para os níveis básicos da hierarquia policial. E isso tem provocado algumas sérias dificuldades na almejada comunitarização da polícia, sendo, portanto, necessário dedicar maior atenção aos cursos de formação, iniciais nas carreiras da Polícia. Em segundo lugar, a exacerbada preocupação em difundir-se valores e visões de mundo, sem um conteúdo mais prático quanto aos métodos operacionais de trabalho. Há uma tentativa de mudança cultural (o que requer outras mudanças de maior profundidade e com maior lapso temporal), muitas vezes em detrimento de novas metodologias operacionais, que podem favorecer a assimilação de novos valores e parâmetros atitudinais, até pelos resultados apresentados na prática policial cotidiana. As transformações culturais não podem, desta feita, transcorrer de forma dissociada de ações práticas que, efetivamente, sirvam como catalizadores a provocar reações como o despertamento, a reflexão e a necessidade da mudança.
b. Polícia Comunitária: um novo paradigma de policiamento
A partir dos anos 1970, policiais e membros da Academia começaram a produção de considerável número de obras enfocando a reforma da polícia e colocando o tema “policiamento comunitário” ou “policiamento para a solução de problemas”[6] como a grande temática nas discussões sobre a reforma da polícia e, como esclarece Broudeur, “um novo paradigma de policiamento” (Brodeur, 2002, p. 9).
O conceito de policiamento comunitário, “cresceu a partir da concepção de que a polícia poderia responder de modo sensível e apropriado aos cidadãos e às comunidades” (Skolnick & Baykey, 2002; p. 57), todavia, a idéia “revolucionária” na visão policial brasileira contemporânea, teve suas raízes com Arthur Woods, que no período de 1914 a 1919, exerceu o cargo de Comissário de Polícia de Nova Iorque. Woods, sugeriu em uma série de conferências na Universidade de Yale a idéia de “incutir nas camadas rasas do policiamento uma percepção da importância social, da dignidade e do valor público do trabalho policial” (ibid). Para Woods, o esclarecimento do público quanto às complexidades, às dificuldades e o significado dos deveres pertinentes ao policial, beneficiaria a Instituição, angariando um maior respeito pela função policial e com a consequente disposição em recompensar o desempenho policial eficaz e consciente. Embora não caiba nos limites deste artigo registrar suas ações práticas à frente do Departamento de Polícia de Nova Iorque, vale ressaltar que seu trabalho revestiu-se de profundo dinamismo, sendo recheado de iniciativas que revolucionaram a forma de policiar à época, envolvendo uma preocupação direta em atrair a cooperação da comunidade no trabalho policial e em atacar problemas que se tornavam geradores de violência e criminalidade.
A década de 1960 foi crucial para a compreensão de que a polícia deveria sofrer reformas. Nos Estados Unidos, este período extremamente conturbado, provocou um tremendo impacto sobre as forças policiais, conforme escreveu Wilson ao registrar que “tudo começou por volta de 1963 (...) aquele foi o ano, dramatizando um pouco, em que uma década começou a entrar em colapso” (Wilson, 1983, p. 5). Alguns dos estudos e relatórios realizados pelo governo americano, principalmente, o Report of the National Advisory Commision on Civil Disorders[7], conhecido como relatório da Comissão Kerner, de março de 1968, detectaram que dentre as principais causas dos conflitos ocorridos no período, em especial, os de ordem racial, encontrava-se o esgarçamento das relações entre a polícia e os negros e outras minorias. Foi visto ainda pela Comissão, que esse desgaste das relações, que levava ao ódio da polícia e ao conflito, funcionava como um símbolo de problemas maiores inseridos no bojo da sociedade como, por exemplo, o papel social dos negros, o sistema de policiamento e a justiça criminal[8]. Dentre as práticas policiais criticadas de forma mais intensa, a principal foi a execução de um patrulhamento preventivo agressivo, com abordagens ao cidadão de forma indiscriminada, acompanhadas de expressões de suspeição, menosprezo e, até mesmo, escárnio, principalmente, nos distritos de alta criminalidade. Essas áreas, em geral, não recebiam um atendimento policial de qualidade. Verifica-se a similaridade entre a situação nas áreas menos favorecidas das cidades norte-americanas e a crise que a polícia daquele país enfrentava, com o quadro existente em diversas de nossas principais cidades.
As duas décadas seguintes, demonstraram que o problema não era restrito aos Estados Unidos, todavia preocupava Chefes de Polícia em outras partes do mundo, dado o aumento na manifestação da violência, mormente nos espaços urbanos, conforme visto na primeira parte deste artigo. Os altos índices de criminalidade levaram governos, organizações policiais, universidades, centros de pesquisa e outras instituições a desenvolverem estudos, pesquisas, produzirem relatórios e uma diversidade de trabalhos, dos quais podem-se destacar algumas das principais constatações efetuadas e plenamente aplicáveis à polícia brasileira:
1º. Aumentar meramente o número de policiais ou o orçamento dos departamentos policiais, não resulta, necessariamente, em redução dos índices de criminalidade ou em aumento do número de crimes elucidados.
2º. As rondas a pé, efetuadas de forma regular, produzem muito mais efeito na redução do medo da população quanto ao crime, do que o patrulhamento motorizado realizado de forma aleatória e ao acaso.
3º. A intensificação do patrulhamento em determinada área geográfica reduz os níveis de criminalidade nesse espaço, não por combater ou inibir as principais causas que conduzem à prática delituosa, mas por deslocar o crime para outras regiões.
4º. As investigações criminais têm baixo nível de eficácia na elucidação dos delitos cometidos e informados à polícia. A maioria dos casos nos quais a polícia tem alcançado sucesso, só conseguem ser solucionados através da prisão em flagrante dos criminosos ou da colaboração dos integrantes da comunidade, pelo fornecimento de um nome, um endereço, traços identitários, placas e descrição de veículos, entre outros detalhes e vestígios muitas vezes, insignificantes para os leigos.
Nessa ótica, percebe-se a importância da aproximação e fortalecimento do binômio polícia-cidadão. Deve-se observar que, enquanto a polícia detém o conhecimento técnico, tático e estratégico para o controle da criminalidade, a comunidade sabe onde residem os problemas de segurança mais evidentes em seu espaço geográfico e que lhe provocam a sensação de intranquilidade, além de um inimaginável número de informações acerca das peculiaridades que formam o complexo quadro sócio-cultural de suas relações cotidianas.
Esperar que a polícia sozinha controle a criminalidade é uma inconsequência. A participação da comunidade é essencial para o equacionamento e solução dos problemas afetos à segurança pública. O funcionamento do sistema de segurança e, mesmo, da Justiça Criminal, demanda que os cidadãos vitimados apresentem suas queixas, que as testemunhas relatem os fatos delituosos que presenciaram ou têm conhecimento, que as pessoas tragam informações, que a população, por meio de Ong’s e/ou outras entidades representativas, acompanhem os casos e cobrem das autoridades competentes as providências que forem necessárias à sua solução e que se integrem ao esforço público de combate à violência e aos programas de prevenção do crime.
CONCLUSÃO
O entretecimento de uma aliança entre a polícia e as comunidades é uma tarefa árdua que tem na historicidade dos conflitos entre a destinação legal e factual das unidades policiais brasileiras, no descompasso entre os avanços sócio-políticos da sociedade e a cultura policial tupiniquim e a mútua desconfiança entre as instituições de segurança pública e, principalmente, as camadas menos favorecidas da população. Além disso, os processos de fragmentação e exclusão social a que se vêem submetidas as categorias mais populares, aliados à corrosão e transformação das principais instituições sociais (Família, Igreja, Estado, Empresa e Escola), comprometem valores éticos, espirituais, sociais e cívicos que funcionavam como referenciais, normatizadores da conduta do cidadão, oferecendo substancial contribuição para o crescimento da violência e da criminalidade.
Em um tempo em que profundas mudanças se anunciam à sociedade brasileira, questões como violência e criminalidade puntuam as agendas de discussões nos meios político, acadêmico, social e na cúpula das instituições policiais. É indiscutível a necessidade de reformas estruturais, operacionais e, principalmente, filosófico-culturais, no cerne das polícias brasileiras. Entretanto, diante de tantas iniciativas e programas (projetados, em desenvolvimento e implantados) os quais têm recebido o qualitativo de “policiamento comunitário”, mostra-se crucial que se respondam alguns questionamentos básicos como: que papéis polícia e povo devem exercer, no contexto da segurança pública, dentro do novo modelo social que se pretende para o Brasil? Que modelo a polícia deve estabelecer como parâmetro para o cumprimento desse papel? Que mudanças (e em que níveis e ordenamento) devem ocorrer nas organizações policiais brasileiras a fim de que assemelhem-se a esse modelo? Como buscar uma maior aproximação e colaboração dos cidadãos no propósito do estabelecimento de um novo sistema policial e de segurança pública ?
Quem sabe, por intermédio dessas respostas, a sociedade brasileira consiga definir modelos que atendam ao necessário processo de comunitarização da polícia, que sejam adequados à variedade cultural de nossos espaços sociais e que ofereçam níveis mais satisfatórios de segurança pública, pela minimização da violência e pelo controle da criminalidade.
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[1] Violência, do latim violentia, uma derivação de vis (força, vigor, emprego de força física).
[2] Segundo a análise de Ianni, “uma sociedade global no sentido de que compreende relações processos e estruturas sociais, econômicas e culturais, ainda que operando de modo desigual e contraditório (...) trata-se de uma totalidade histórico-social diversa, abrangente, complexa, heterogênea e contraditória, em escala desconhecida. Esse é o horizonte no qual se desenvolvem a interdependência, a integração e a dinamização, bem como as desigualdades, as tensões e os antagonismos característicos da sociedade mundial(...) aí se fundem o
desenvolvimento desigual e combinado e a não-contemporaneidade, em distintas gradações. São diversidades, heterogeneidades e contrariedades mescladas em amplas proporções.” (Ianni, 1992, 39, 51, 179)
[3] Essas novas organizações societárias e lógicas de pensamento, são decorrentes do processo de globalização e fazem-se representar pelas transversalidades na produção da organização social, como por exemplo, as relações entre grupos culturais, relações raciais, relações de gênero e entre regimes disciplinares, ultrapassando o sentido de classe social (Santos: 1999).
[4] Constituição Federal, art. 144, § 6º.
[5] Verifica-se neste ponto, a manifestação dos casos em que ocorrem a ação de grupos de justiceiros e as mortes, invariavelmente desnecessárias, cometidas por policiais em suas intervenções. V. FERNANDES, Heloísa Rodrigues. Violência e modos de vida: os “justiceiros”. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, 4(1-2): 43-52, 1992; BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. São Paulo: Globo, 1992; DIMENSTEIN, Gilberto. Extermínio. In: Democracia em pedaços: direitos humanos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 67-97.
[6] As expressões “policiamento comunitário” e “policiamento para a solução de problemas” foram empregadas pela primeira vez no ano de 1973, em um relatório confeccionado por Sherman, Milton & Kelly, denominado “Team Policing: Seven Case Studeies”, publicado pela Police Foundation de Washington D.C. (ver BRODEUR, Jean-Paul. Como reconhecer um bom policiamento: problemas e temas. Tradução Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série: Polícia e Sociedade; 4)
[7] Relatório da Comissão Consultiva Nacional sobre Desobediências Civis.
[8] Ver Skolnick & Bayley, 2002, p. 61.
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Introdução
Pertencente ao cotidiano das metrópoles mundiais e recorrente aos períodos mais remotos da existência humana, a violência encontra-se presente nas relações que regem a vida das sociedades. O fenômeno ganha proeminência tal na atualidade que, principalmente nas grandes concentrações urbanas, “pensar e agir em função dela deixou de ser um ato circunstancial, para se transformar numa forma do modo de ver e viver o mundo do homem” (Odália, 1986, p. 9). Segundo Cardella, “a violência manifesta-se na vida em sociedade. É portanto uma variável social” (Cardella, 2000, p. 76). O fenômeno já não se manifesta como uma condição básica da sobrevivência humana diante de um mundo natural hostil, entretanto, através deste homem, sujeito da história, a violência ganhou novos contornos, evoluiu, aprimorou-se em seus artefatos tecnológicos e passa a determinar a forma pela qual algumas sociedades, ou parte delas, organizam sua vida.
Na visão de Gilberto Velho:
“A vida social em todas as formas que conhecemos na espécie humana, não está imune ao que se denomina, no senso comum, de violência [sic], isto é, o uso agressivo da força física de indivíduos ou grupos contra os outros. Violência [sic] não se limita ao uso da força física, mas a possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua natureza. Vê-se que, de início, associa-se a uma idéia de poder [sic], quando se enfatiza a possibilidade de imposição de vontade, desejo ou projeto de um ator sobre outro. ” (Velho: 2000; 11)
De acordo com Zaluar (1999), existe uma dificuldade em definir-se o que é violência e a qual tipo de violência está se referindo, a partir de sua etimologia[1], caracterizando-se pelo emprego excessivo de força, ultrapassando certos limites acordados nas regras que ordenam as relações, promovendo perturbações à convivência social. Assim, entende-se que a percepção de um ato como violento varia, histórica e culturalmente, em função da percepção do limite de força que demanda, da perturbação gerada e/ou do sofrimento que promove. Essas variações mostram-se um tanto evidentes, quando observada a eclosão de fenômenos violentos em todo o mundo, no terço final do século passado, e as novas mudanças conceituais que provocaram quanto ao entendimento relativo à manifestação da violência nas sociedades.
Violência: uma reflexão teórica
Na ótica de Michaud (1989), a violência varia de sociedade para sociedade onde cada grupo tem seu entendimento próprio acerca do fenômeno, como decorrência dos processos culturais aos quais foram submetidos e o momento histórico vivenciado. Como exemplo, pode-se verificar que nos anos 50 e 60 do século passado, diversos intelectuais manifestaram-se favoráveis ao exercício da violência pelas camadas populares, contra regimes ditatoriais que visavam unicamente assegurar os interesses e privilégios de grupos dominantes, ou ainda, contra a opressão colonialista de outro Estado.
Marx e Engels, no Manifesto do Partido Comunista, fazem referência à “guerra civil” existente no meio social, “até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e a derrubada violenta da burguesia estabelece a dominação do proletariado” (Marx e Engels, 1978, p. 104). Todavia, a visão marxista prende-se mais ao aspecto concreto da violência, não demonstrando uma maior preocupação com manifestações mais “abstratas” do fenômeno como, por exemplo, a “violência simbólica”. Pode-se citar, ainda, as reflexões de Sorel (1993) acerca da violência como elemento de papel criativo essencial na história, permitindo a negação revolucionária da ordem existente. Sorel defendia essa violência como um elemento de purificação e libertação do proletariado.
O caráter instrumental atribuído à violência pelas teorias mais estruturalistas (Diógenes, 1998), em especial, pelo marxismo, pode ser visualizado no pensamento de Max Weber. Para Weber (1974), o “poder” consiste na possibilidade de impor a própria vontade ao comportamento do outro e, esse poder, só poderá ser exercido por intermédio da coerção. Quando o Estado impõe aos indivíduos uma norma, faz uso de seu poder sobre os grupos e categorias, e para a consecução desse propósito, faz uso da violência, que no entendimento de Weber, nesse caso, é legítima. De acordo com o pensamento de Stoppino:
“O recurso à Violência é um traço característico do poder político ou do poder do Governo. Uma das definições mais abrangentes e mais difundidas do poder político, que tem sua origem na filosofia política clássica e, especialmente, no pensamento de Hobbes, e foi melhor enunciada em seu sentido sociológico por Max Weber, baseia-se no monopólio da Violência legítima. Esta importância da Violência deriva, de um lado, da eficácia geral das sanções físicas e, de outro, da finalidade mínima e imprescindível de todo Governo (...) a função de aterrorizar da Violência é indispensável, pelo menos, para obter a finalidade mínima de um Governo, isto é, a manutenção das condições externas que salvaguardem a coexistência pacífica. “ (Stoppino apud Bobbio et al, 1997, p. 1293)
Nos anos 60, grupos de cientistas sociais latino-americanos desenvolveram uma teoria da marginalidade, que passou a fundamentar idéias classificadas como “apressadas e preconceituosas” (Zaluar, 1994, p. 136), como uma suposta aliança entre bandidos e trabalhadores, nas favelas do Rio de Janeiro, que passaram a ser consideradas territórios sob um novo poder, ou seja, o “governo da marginalidade”. Como observa Zaluar:
“Do ponto de vista da direita, esta aliança é tomada como prova de que ‘o meio social sem moral’ da favela ou da pobreza torna os pobres indignos de confiança, perigosos e potencialmente criminosos, necessitando sempre de políticas dissuasórias (grifo nosso) para reprimir suas inclinações para o crime (...) Pela visão da esquerda, os despossuídos unidos montam uma força de combatentes armados que resistem ao ‘sistema’, à ‘ordem’ ao ‘Estado capitalista’ (grifo nosso). Bandidos viram revolucionários apenas porque fogem da polícia mas se aliam a ela no crime organizado e usam armas.” (Zaluar, 1994, 137)
A partir da década de 70, uma série de acontecimentos violentos, ocorridos em todo o mundo – mormente, na Europa e nos Estados Unidos – passou a preocupar os intelectuais. A violência deixa de ser percebida como instrumento de libertação dos oprimidos e de assumir um papel purificador e criativo, para revestir-se de um “caráter molecular, (...) contestador, inusitado das gangues, grupos de amotinados ou ‘grupelhos’ de diversos tipos que atuavam nos centros urbanos” (Costa, 1999, p.5), desvinculado de conexões com as lutas de interesses mais amplos, provocando a agressão gratuita e a indiferença ao sofrimento dos semelhantes. Com a chegada dos anos 80, os fenômenos violentos ganharam grande visibilidade, com o crescimento do número de homicídios, atos de vandalismo, crimes e agressões, e uma peculiaridade que fugia às expectativas: uma parcela considerável desses atos, eram praticados por pessoas que não se enquadravam dentro dos grupos considerados pobres e excluídos, antes pertenciam a categorias que, aparentemente, não teriam quaisquer motivos para tais práticas.
A violência manifesta no fim do século passado e início do presente, esvaziou-se de um conteúdo ideológico, que de certa forma, servia como unificador e canalizador de interesses, estabelecia referenciais e identidades, que davam sentido à vida e legitimidade às ações. Baudrillard (1990), faz referência ao comportamento de jovens envolvidos com práticas violentas e ao caráter “lúdico” que atribuem a elas, fundados na busca pela fama num mundo competitivo e na excitação pelo risco, que potencializa os níveis de adrenalina no corpo. Alguns fatos veiculados pela imprensa podem exemplificar essa análise: os jovens que atearam fogo no índio Galdino na cidade de Brasília, os arrastões promovidos por “pivetes” nas praias do Rio de Janeiro, alguns casos de rebeliões em reformatórios para adolescentes, os atos de vandalismo promovidos por jovens integrantes de torcidas organizadas, entre outros.
Na sociedade brasileira encontram-se grupos como as “galeras”, as “gangues”, as “torcidas organizadas”, os “carecas de subúrbio”, os “pichadores” e as “turmas” em geral, compostos por jovens e exibindo a violência como uma variável, uma marca visível em suas manifestações e participação social. Não desprezando os aspectos econômicos e políticos da violência, intrínsecos à realidade do país, vale observar a análise de Diógenes ao referir-se à juventude e sua participação nesses grupos, quando argumenta que:
“A juventude é o segmento que mais catalisa as tensões sociais como também as exterioriza, a juventude é a vitrine dos conflitos sociais (...) O processo de formação de ‘grupos urbanos’, constituindo uma pluralidade de turmas denominadas ‘galeras’, parece expressar uma maneira de os jovens se contraporem ao vazio de referentes (grifo nosso) que recortam o cotidiano das grandes cidades. Eles formam verdadeiros territórios, onde a circulação é apenas permitida entre os ‘enturmados’.” (Diógenes, 1998, p. 165,167)
Destaca-se a expressão “vazio de referentes” na citação de Diógenes, como uma das chaves para que se possa entender a violência praticada por estes e outros grupos, bem como, recorrentes às mutações societais da atualidade. Hall (2001) afirma que, para alguns teóricos, as identidades modernas estão entrando em colapso como decorrência de uma mudança estrutural que vem transformando as sociedades, desde o final do século passado. Como consequência, há uma fragmentação nas paisagens culturais de classe, sexualidade, etnia, gênero, raça e nacionalidade, “que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados” (Hall, 2001, p.9). Esse processo histórico-social contemporâneo de formação da sociedade global é inegável, definindo-se pela integração e pela homogeneização de tensões, desigualdades, diferenciações e exclusões, ocorrendo de forma contraditória, heterogênea e desigual[2] (Santos, 1999).
Há uma transformação das relações de sociabilidade, onde de forma simultânea, ocorrem processos de “integração comunitária e de fragmentação social, de massificação e de individualização, de ocidentalização e de desterritorialização” (Santos, op cit, p. 18). Passou-se a viver um social heterogêneo, onde nem grupos, nem indivíduos dão demonstrações de reconhecer valores coletivos, o que tem por conseqüência, o surgimento de multiformes organizações societárias e lógicas de conduta[3]. Todavia, a violência não fica restrita às implicações dos processos estruturais, mas é fomentada por especificidades e fragmentações locais, moleculares. De acordo com Hobsbawm, “essas transformações na base da vida social geram uma corrosão e uma transformação das referências e dos estilos de vida das pessoas” (Hobsbawm apud Costa, 1999, p. 9). Torna-se, portanto, interessante observar, ainda que de forma abreviada, algumas questões quanto ao fenômeno da violência no Brasil contemporâneo.
A Violência no Brasil Contemporâneo
No cenário brasileiro contemporâneo, o tema da violência tem ocupado um lugar de crescente destaque, apresentando-se, cotidianamente, como foco da mídia, objeto de estudos e debates acadêmicos, bem como, evidenciando-se no discurso dos atores políticos e como uma preocupação generalizada na sociedade.
As paisagens urbanas tupiniquins, a partir do final do século XX, tornaram-se espaços privilegiados para a visibilidade de uma violência que se caracteriza por apresentar distintas manifestações. As teorias explicativas diversificam-se, todavia mostram-se insuficientes para aclarar toda a complexidade de variáveis que provocam e contribuem para o desenvolvimento do fenômeno, que tem um índice de ocorrências cada vez maior.
As manifestações de violência no Brasil vêm, ao longo do tempo, passando por um processo histórico de mudanças. E nesta ótica, é interessante verificar alguns aspectos elementares dessa transformação como, por exemplo, o conjunto de fatos e questões que marcaram os últimos cinqüenta anos da história política brasileira, bem como seus respectivos significados e conseqüências para a vida do povo e das instituições nacionais, podendo-se tomar, por exemplo, a volta à democracia e a questão da cidadania.
Percebe-se quanto à questão da violência em suas raízes sociais no Brasil contemporâneo, que, à medida que o país retornou à democracia, os índices de violência cresceram de forma intensa. De acordo com Peralva (2000), no período em que a abertura política tinha início, ou seja, nos anos 80, houve um crescimento das taxas de homicídio, que alcançaram índices até então impensados, para não falar no aumento da ocorrência de outras formas de violência. Segundo os dados levantados pela autora, entre 1979 e 1980, o número de crimes de sangue, em todo o território nacional, cresceu em 25%, e entre 1980 e 1997, a taxa de homicídios por cada 100 mil habitantes cresceu, aproximadamente, 120,3%. E este fenômeno deve-se, conforme a análise de Peralva (2000), a quatro fatores básicos: a continuidade autoritária, a desorganização das instituições responsáveis pela ordem pública, a pobreza e o impacto das mudanças sociais.
A continuidade autoritária, apesar da abertura política, refletiu-se, essencialmente, nas instituições públicas, mormente, naquelas responsáveis pela ordem pública. Um traço marcante deste fato, foi a quase que total manutenção do modelo policial vigente no período de exceção. Apesar das reformas político-administrativas de cunho democrático nos Estados-membros, inclusive com a eleição direta para governadores, em 1982, o governo federal mantinha as Polícias Militares sob a tutela do Exército, com base no Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, e em 1977, através da emenda constitucional nº 7, estabeleceu que os julgamentos de crimes cometidos por policiais militares só poderíam ocorrer por intermédio de tribunais militares.
Embora a Constituição de 1988 tenha restabelecido a tutela dos governadores sobre as Polícias Militares de seus respectivos Estados – a exemplo do que ocorria com as Polícias Civis – o texto constitucional ainda assim, manteve o “espírito” autoritário, quando coloca as milícias estaduais como “forças auxiliares e reserva do Exército”[4]. Assim, a PM manteve-se como uma força militarizada e mesmo, posteriormente, tendo sofrido alguns avanços estruturais e no tocante ao diálogo de seus comandantes, continuou “operando dentro de parâmetros e com a mentalidade histórica dos períodos do escravismo, do Estado Novo e, principalmente, do arbítrio dos anos pós-64.” (Mendes: 1999; 19).
Ao fim do regime autoritário, questões como delinquência e criminalidade, passaram a integrar, destacadamente, a agenda do debate público e, como afirma Peralva:
“Muita gente pensava que, para reduzir o número de crimes era necessário intensificar a repressão, inclusive talvez empregando diretamente as Forças Armadas em funções de polícia. Mas admitia-se também que uma violência com fim de autodefesa fosse diretamente exercida pela sociedade civil. O Estado aceitou, assim, transferir para essa mesma sociedade civil parte de uma violência sobre a qual até ali, mal ou bem, ele havia geralmente exercido um monopólio.” (Peralva: 2000; 76-77)
Neste panorama sócio-político – onde havia uma tendência ao emprego de métodos violentos pela polícia, à defesa da pena de morte e à implantação do justiciamento ilegal de criminosos – desenvolvia-se a noção de “autoritarismo socialmente implantado”, o que de certa forma, refletia uma insegurança com relação aos destinos do país e acerca de uma violência urbana crescente. E neste ponto, é importante analisar o segundo fator apontado por Peralva como elemento de composição do quadro da violência urbana, a desorganização das instituições responsáveis pela ordem pública.
O período de transição entre o regime autoritário e o regime democrático em nosso país, mostrou-se (e mostra-se) complexo para as instituições policiais. Se por um lado os militares criaram diversos óbices legais visando impedir uma reforma do aparelho policial, por outro a polícia autonomizava-se em relação às autoridades que mantinham-lhe sob tutela. Logo, nem os militares conseguiam controlá-la totalmente e muito menos, os governantes estaduais. Isto privilegiou uma polícia vestida de autoritarismo, porém sem um maior controle político por parte da sociedade como um todo. Em conseqüência, surgem novas formas de violência policial, com uma gama de violações aos direitos do homem e, o que é pior, uma criminalidade policial diversificada que explora a cobertura institucional para suas práticas ilícitas.
O processo de redemocratização, durante o qual o conceito de cidadania principiou a ganhar corpo na sociedade brasileira, promoveu a revalorização dos direitos individuais, ao mesmo tempo que a sociedade exigia que os órgãos de segurança exercessem um efetivo controle sobre a criminalidade. Todavia, as instituições policiais, principalmente as militares, foram flagradas no mais elevado despreparo para lidar com estas questões, considerando o tempo que passaram muito mais como forças de defesa territorial e de repressão, longe portanto de suas real missão. Além disso, com a crise econômica que afligia o país, na virada dos anos 80, os governos estaduais passaram a canalizar, mais intensamente, os recursos orçamentários para outras áreas de investimento, em detrimento das políticas de segurança, o que agravou o desaparelhamento das polícias.
Daí, pela crença generalizada que o aumento da repressão, inclusive com emprego das Forças Armadas e implementação da pena de morte, bem como, pelo autoritarismo impregnado na cultura institucional da PM, o recurso da violência, dos atos truculentos, foi e e continua sendo uma resposta, que visa “disciplinar” e “punir” os transgressores de uma lógica, nem sempre tão lógica, e de uma ordem, nem sempre legal. Neste estado de coisas, a qualquer momento, pode-se passar de cidadão a condição de suspeito em potencial.
Como terceiro fator fomentador da violência urbana no Brasil, cita-se a pobreza, ainda que muitos estudiosos recusem-se a estabelecer qualquer relação entre pobreza e violência. Os dados empíricos coletados em diversas pesquisas, efetuadas por institutos públicos e privados confiáveis, demonstram claramente que, se for traçado um mapa da violência nas regiões metropolitanas das principais capitais brasileiras, perceber-se-á que as áreas mais atingidas por práticas violentas e, mais especificamente, por mortes violentas, são aquelas habitadas pelas camadas menos privilegiadas da sociedade. O mesmo fato pode ser comprovado se observado a condição social da maioria da população carcerária nos Estados e os mapas de intervenção policial. Segundo Pinheiro:
“Ainda que a violência ilegal esteja disseminada pelas áreas rurais e pelo interior do Brasil, as manifestações mais visíveis dessa ‘violência endêmica’ ocorrem nas áreas urbanas. Na maior parte das regiões metropolitanas há uma coincidência entre os lugares onde os pobres vivem e a violência: ali a morte é principalmente provocada por causas violentas.” (Pinheiro, 1996, p. 23)
É indiscutível a existência de um vínculo entre pobreza e violência. Este é um terreno fértil para servir como nascedouro de práticas violentas, ainda que não seja o único explicativo para todas as variáveis desse fenômeno. Contudo, a ocorrência de atos violentos, em geral, apresenta seus maiores índices naquelas localidades onde são mais evidentes os estados de carência sócio-econômica. Segundo Pinheiro:
“Há clara correlação entre as condições de vida, violência e as taxas de mortalidade, onde condluem violações de direitos civis e políticos e violações de direitos sociais e econômicos (...) qualquer tentativa de identificar uma relação causal entre fatores sociais e econômicos e violência seria profundamente enganadora. Mas o crime, ainda que seja uma questão de responsabilidade moral e individual, é irrecusavelmente uma questão social e econômica. O ambiente, compreendido como o meio familiar, o meio cultural e a condição social, contribui para que os grupos mais espoliados , desempregados, aqueles fora do sistema de educação e os marginalizados estejam mais envolvidos em conflitos violentos e crimes do que os entitled [sic] e os remediados(...).” (Pinheiro, 1996, p. 23)
Por fim, o quarto fator a ser analisado como provocador de violência trata do impacto da mudança social, ocorrida no Brasil a partir dos anos 80 e que tomou novo impulso a partir da intensificação do processo de globalização no fim do século passado. Os avanços no sentido da redemocratização brasileira, principalmente com a promulgação da Carta de 1988, deu visibilidade a determinados grupos, outrora sem maior expressividade quanto á sua participação social, como assevera Velho ao colocar que “categorias oprimidas e diversas minorias passaram a ter mais reconhecimento e presença na sociedade” (Velho, 2000, p. 18). Gohn corrobora para esta idéia ao afirmar a importância dos anos 80 “para para a compreensão da construção da cidadania dos pobres no Brasil, em novos parâmetros” (Gohn, 1995, p. 124). Isto significa dizer que, mesmo tendo seus direitos constitucionais negados ou ignorados na prática, os pobres pelo menos saíram do “ostracismo social” e passaram a ser nominados como “cidadãos”.
Na verdade, a difusão da idéia que havia uma certa dinâmica igualitária e que, a partir de então, todos eram cidadãos, gerou uma falsa expectativa. E é exatamente neste espaço de insatisfação, em meio a um estado de tensão social, que explode uma violência sem precedentes, diversificada e cruel. Na visão de Velho (2000) e Zaluar (1994), o não acesso das camadas menos privilegiadas economicamente aos bens de consumo expostos ao público pela mídia e que recebem uma valoração positiva dentro da cultura de massas, provoca um acirramento das relações de tensão e ódio social.
Velho considera que a impossibilidade de acesso a esses bens por parte das camadas populares, reforçada pela “inadequação de meios legítimos para realizar essas aspirações” (Velho, 2000, p. 20) provoca o fortalecimento do mundo do crime. E prossegue afirmando:
“A incapacidade específica do poder público em gerir e atender às necessidades básicas de uma população pobre, em acelerado crescimento, acentua mais ainda este quadro (...) é importante perceber que existe uma efetiva adesão de parte desses jovens pobres à transgressão, sustentada pela crença de que os riscos nela envolvidos são compensados por gratificações sociais que nem se colocavam para a geração de seus pais, pois estes ocupavam posição subalterna no mundo hierarquizado. O acesso à droga e à arma é a base desse estilo de vida, que torna possível usufruir uma pauta de bens de consumo e um prestígio que facilita, entre outras coisas, o sucesso junto às mulheres e o temor entre os homens.” (Velho, op. cit, p. 20-21)
É interessante observar o que expressa Nascimento quanto à questão da violência contemporânea no Brasil e o fato deste fenômeno ocupar o centro da conjuntura social no país pois, a síntese de suas conclusões acerca do assunto, aponta para uma similaridade ao pensamento de Velho e Zaluar. Segundo Nascimento, “tornou-se mais difícil deixar de ser pobre, aumentou o apelo para deixar de ser pobre, reduziu-se as pressões para o desvio e criaram-se alternativas para romper ilegalmente o círculo da pobreza” (Nascimento, 2001, p.20), o que implicaria em um risco maior, com a “criação de uma nova exclusão social; grupos sociais economicamente desnecessários, socialmente perigosos, politicamente incômodos” (Nascimento, op. cit, p. 21) e, por conseguinte, passíveis de eliminação física[5].
Angelina Peralva afastando-se do pensamento de Velho e Zaluar, considera como fatores fundamentais ao surgimento da nova violência no Brasil, em especial, nas regiões metropolitanas, a desvalorização do trabalho na “estruturação da experiência coletiva” (Peralva, 2000, p. 84), a valorização da educação como elemento de apoio às escolhas individuais e o crescimento da participação dos jovens pobres no consumo de massa, pela queda relativa dos preços dos produtos. Peralva adverte que “essas mudanças tiveram impacto indiscutível sobre o sentimento [sic] de igualdade, seja qual for a importância real das extraordinárias desigualdades de renda que se mantêm na sociedade brasileira. Elas estão na base de uma nova conflitualidade urbana, efetivamente contaminada pelas formas de violência ao extremo que o crime adquiriu no Brasil.” (ibid)
De acordo com sua interpretação, Peralva não concebe estipular um vínculo entre esta nova conflitualidade e a questão do engajamento na prática criminosa, considerando que esse engajamento firma-se em lógicas de tal complexidade, onde é necessário observar toda a gama de variáveis no entorno dos sujeitos envolvidos e que, segundo esta autora, “determinam em larga medida o leque das escolhas que se lhes oferece” (ibid).
Assim, Peralva comenta que existe uma nítida relação associativa entre as transformações mais recentes da sociedade brasileira e o aumento da violência, considerando que, com as mudanças, antigos vínculos são desfeitos, são criadas novas articulações e, no intervalo, surge a violência. Segundo essa autora, esse fenômeno não é próprio apenas do Brasil, mas desenvolveu-se em diversas sociedades contemporâneas onde ocorreram transformações sociais de grandes proporções. De acordo com Peralva, “é sobretudo a ausência de mecanismos de regulação apropriados a um novo tipo de sociedade emergente que explica a importância dos fenômenos de violência mais maciços e mais espetaculares.” (Peralva, op. cit., 85). Silva Filho corrobora com essa afirmações ao expor que:
“Parece que um conjunto perverso de condições, em algumas regiões, favorece o desenvolvimento de uma subcultura de violência que valida a transgressão como solução para as frustrações e a agressão como expediente de resolução de conflitos (grifo nosso) (...) É provável que o desencorajamento da violência se deva fazer com recursos morais competitivos – o velho embate entre o bem e o mal –, nem sempre estimulados quando o ladrão mais procurado do País é um juiz e pessoas se transformam em ricos gênios financeiros quando fazem carreira política. Só liderança moral pode enfrentar a maldição de Macunaíma.” (Silva Filho, 2000, p. 2)
Peralva aponta o diferencial entre a violência transcorrida no Brasil e em outras partes do mundo, principalmente na Europa, “as formas sangrentas que entre nós assume, em razão da ausência de políticas suscetíveis de garantir a ordem pública preservando-se ao mesmo tempo os direitos da pessoa” (Peralva, op. cit, p.85). Como observa Pinheiro, “ao mesmo tempo em que foram eliminadas as violações mais fortemente cometidas contra os direitos humanos cometidos pelos regimes militares, os governos civis recém-eleitos não tiveram êxito em proteger os direitos fundamentais de todos os cidadãos” (Pinheiro, 1997, p. 44). As mudanças sociais e a incapacidade dos governos em desenvolverem políticas públicas que assegurem a ordem pública, aliam-se à falta de uma reestruturação das instituições policiais, sem a qual torna-se inviável a “oxigenação” de seus quadros; a mudança de uma mentalidade militarizada, conservadora, restrita e pesada, para um pensamento aberto, moderno, holístico e ágil; e da efetiva modernização de suas práticas, atentando para a cientificidade, para a legalidade e para a humanidade.
Assim, percebe-se o desencontro entre os avanços sociais rumo ao pleno estabelecimento e solidificação do Estado Democrático de Direito e as ações de segurança pública, com a permanência na estrutura da polícia de uma cultura instituciona que ainda privilegia a violência e a conduta truculenta, como elementos de negociação com outras categorias.
3. O Processo de Mudança nas Instituições Policiais
As transformações sociais ocorridas no Brasil ao longo dos últimos 20 anos e, mais efetivamente, os avanços alcançados pela criminalidade, têm conduzido a Polícia, forçosamente, a revisar seus conceitos e práticas.
O renascimento da democracia na sociedade brasileira, com a difusão da idéia de cidadania e dos princípios de Direitos Humanos, fazendo com que o povo não aceite mais uma ação policial autoritária, caracterizada pela truculência, pelo arbítrio, pela subserviência e pelo preconceito. Ainda que de uma forma tímida entre as classes menos favorecidas, a consciência relativa à questão dos direitos fundamentais e dos problemas sociais, mormente, da segurança, ganha corpo e faz com que as pessoas cobrem do poder público e das instituições policiais uma nova postura, mais eficiência, eficácia e efetividade. Evidenciaram-se, portanto, “a aparente incompatibilidade entre as necessidades de segurança das camadas médias, altas e elites, e as necessidades de segurança da população mais pobre” (Silva, 1990, p. 21). Logo, viu-se a urgência de compatibilizar-se o trabalho policial com as carências de segurança das camadas menos favorecidas, partindo, em um primeiro momento, para a minimização dos conflitos até então existentes entre povo e polícia.
Assim, as pressões populares e a necessidade do Estado de oferecer uma resposta adequada quanto à prevenção e à repressão de condutas e atos criminosos, oferecendo àquelas categorias maiores e melhores condições de segurança, bem como, níveis mais satisfatórios no que tange ao esclarecimento de fatos delituosos e contravencionais, conduziram as autoridades à busca de um novo modelo de Polícia que viesse de encontro a essas expectativas. Desta feita, dois processos fundamentais foram desencadeados no âmbito das polícias estaduais brasileiras. O primeiro, as parcerias entre a Academia e as instituições policiais e, o segundo, a difusão do conceito de polícia comunitária como a mais moderna e ideal concepção de polícia no atendimento às demandas de segurança pública da sociedade brasileira.
a. A parceria entre a Academia e as Polícias
O desenvolvimento de parcerias entre universidades, institutos de pesquisa, organizações não-governamentais e as polícias, através de convênios, foi uma a iniciativa, mormente da sociedade, em especial, da Academia e de alguns policiais estudiosos da profissão.
Mostrando-se bastante férteis e promissoras quanto as opções que apontam e pelas consideráveis mudanças qualitativas que podem proporcionar nas organizações policiais, visam, essencialmente, um trabalho conjunto no desenvolvimento de atividades pedagógicas, com a definição de conteúdos programáticos, o redimensionamento da formação, do aperfeiçoamento e da especialização de policiais, bem como, inserção de novos valores técnicos, morais e, principalmente atitudinais, junto aos integrantes dos órgãos de segurança pública, “pela inserção de atores externos ao trabalho policial” (Sapori, 2001, p. 1).
Ainda que essas relações sejam pautadas pela desconfiança mútua e um clima de animosidade, recorrente ao período de arbítrio vigente no país a partir de 1964, pouco a pouco, surgem elementos conciliadores no cerne das instituições parceiras, o que tem contribuído para um arrefecimento desses conflitos e possibilita o estabelecimento de uma convivência harmoniosa e profícua que tem como seus principais benefícios:
1) o aprimoramento técnico-profissional e cultural dos quadros policiais, com a aquisição e o desenvolvimento de novos conhecimentos e valores, possibilitando uma ação mais eficiente, eficaz e efetiva;
2) a abertura de novas frentes de pesquisa científica que permitam a compreensão dos fenômenos sociais vinculados à manifestação da violência e da criminalidade e, por conseguinte, o estudo de ações que contribuam para sua minimização e controle;
3) a permanente permuta de experiências, informações e conhecimentos contribuindo para a melhoria e ampliação dos serviços prestados à sociedade, além da efetivação de novos serviços que contribuam para a melhoria das condições de segurança pública;
4) a efetiva participação da Academia e dos centros de pesquisa, não apenas como centros de produção de saber, mas como difusores e participantes do processo de desenvolvimento e de melhoria da qualidade de vida do cidadão, na área da segurança;
5) o oferecimento de um serviço de segurança que goza do aprimoramento técnico-científico, sem descurar das questões afetas à cidadania, do respeito aos direitos fundamentais e da administração de conflitos.
Todavia, embora esse processo apresente-se como essencial na consolidação de uma política de segurança formatada dentro de padrões democráticos e, como afirma Sapori, “viabilizando mecanismos de transparência das organizações policiais” (Sapori, 2001, p. 5), é importante que se identifiquem os impactos institucionais que provoca. Ainda que as motivações sejam nobres e que a maioria das instituições concordem quanto à urgência na promoção de mudanças conceituais e estruturais no âmbito da polícia, não se pode limitar tais mudanças, meramente à adoção de novos processos pedagógicos e conteúdos programáticos, mesmo considerando que a Educação seja a grande ferramenta para as transformações que se pretende. obter. Portanto, cinco medidas podem ser vistas como importantes para identificar que impactos tais parcerias podem provocar no âmbito das instituições envolvidas:
a. O desenvolvimento de estudos referentes à cultura institucional, com referencial nos processos sociais que contribuíram para sua construção, na história, nos valores, nas crenças, nos símbolos e nos mitos institucionais;
b. A determinação de modelos e parâmetros desejáveis para as organizações policiais, bem como, seu nível de articulação sócio-política e envolvimento nas relações sociais e na administração de conflitos dentro das diversas comunidades nas quais irão atuar;
c. O estabelecimento de uma metodologia que ordene de forma lógica e produtiva o conjunto de ações a serem desencadeadas tanto na efetivação das mudanças desejadas, quanto na análise dos resultados obtidos e impactos causados por essas ações e medidas decorrentes;
d. A elaboração de indicadores, com respectivos métodos de coleta de dados, representação e análise, que viabilizem mensurar os impactos institucionais variados;
e. A formação de equipes multidisciplinares e inter-institucionais que realizem a análise dos dados coletados, produzindo documentação relativa aos impactos institucionais, principalmente, no tocante às transformações culturais ocorridas, às práticas decorrentes dessas transformações e às consequências para a sociedade em geral.
A adoção dessas medidas concorrerá para um aprimoramento das parcerias, minimizando algumas falhas que se tem percebido atualmente. Em primeiro lugar, a incipiência das ações quando se voltam para os níveis básicos da hierarquia policial. E isso tem provocado algumas sérias dificuldades na almejada comunitarização da polícia, sendo, portanto, necessário dedicar maior atenção aos cursos de formação, iniciais nas carreiras da Polícia. Em segundo lugar, a exacerbada preocupação em difundir-se valores e visões de mundo, sem um conteúdo mais prático quanto aos métodos operacionais de trabalho. Há uma tentativa de mudança cultural (o que requer outras mudanças de maior profundidade e com maior lapso temporal), muitas vezes em detrimento de novas metodologias operacionais, que podem favorecer a assimilação de novos valores e parâmetros atitudinais, até pelos resultados apresentados na prática policial cotidiana. As transformações culturais não podem, desta feita, transcorrer de forma dissociada de ações práticas que, efetivamente, sirvam como catalizadores a provocar reações como o despertamento, a reflexão e a necessidade da mudança.
b. Polícia Comunitária: um novo paradigma de policiamento
A partir dos anos 1970, policiais e membros da Academia começaram a produção de considerável número de obras enfocando a reforma da polícia e colocando o tema “policiamento comunitário” ou “policiamento para a solução de problemas”[6] como a grande temática nas discussões sobre a reforma da polícia e, como esclarece Broudeur, “um novo paradigma de policiamento” (Brodeur, 2002, p. 9).
O conceito de policiamento comunitário, “cresceu a partir da concepção de que a polícia poderia responder de modo sensível e apropriado aos cidadãos e às comunidades” (Skolnick & Baykey, 2002; p. 57), todavia, a idéia “revolucionária” na visão policial brasileira contemporânea, teve suas raízes com Arthur Woods, que no período de 1914 a 1919, exerceu o cargo de Comissário de Polícia de Nova Iorque. Woods, sugeriu em uma série de conferências na Universidade de Yale a idéia de “incutir nas camadas rasas do policiamento uma percepção da importância social, da dignidade e do valor público do trabalho policial” (ibid). Para Woods, o esclarecimento do público quanto às complexidades, às dificuldades e o significado dos deveres pertinentes ao policial, beneficiaria a Instituição, angariando um maior respeito pela função policial e com a consequente disposição em recompensar o desempenho policial eficaz e consciente. Embora não caiba nos limites deste artigo registrar suas ações práticas à frente do Departamento de Polícia de Nova Iorque, vale ressaltar que seu trabalho revestiu-se de profundo dinamismo, sendo recheado de iniciativas que revolucionaram a forma de policiar à época, envolvendo uma preocupação direta em atrair a cooperação da comunidade no trabalho policial e em atacar problemas que se tornavam geradores de violência e criminalidade.
A década de 1960 foi crucial para a compreensão de que a polícia deveria sofrer reformas. Nos Estados Unidos, este período extremamente conturbado, provocou um tremendo impacto sobre as forças policiais, conforme escreveu Wilson ao registrar que “tudo começou por volta de 1963 (...) aquele foi o ano, dramatizando um pouco, em que uma década começou a entrar em colapso” (Wilson, 1983, p. 5). Alguns dos estudos e relatórios realizados pelo governo americano, principalmente, o Report of the National Advisory Commision on Civil Disorders[7], conhecido como relatório da Comissão Kerner, de março de 1968, detectaram que dentre as principais causas dos conflitos ocorridos no período, em especial, os de ordem racial, encontrava-se o esgarçamento das relações entre a polícia e os negros e outras minorias. Foi visto ainda pela Comissão, que esse desgaste das relações, que levava ao ódio da polícia e ao conflito, funcionava como um símbolo de problemas maiores inseridos no bojo da sociedade como, por exemplo, o papel social dos negros, o sistema de policiamento e a justiça criminal[8]. Dentre as práticas policiais criticadas de forma mais intensa, a principal foi a execução de um patrulhamento preventivo agressivo, com abordagens ao cidadão de forma indiscriminada, acompanhadas de expressões de suspeição, menosprezo e, até mesmo, escárnio, principalmente, nos distritos de alta criminalidade. Essas áreas, em geral, não recebiam um atendimento policial de qualidade. Verifica-se a similaridade entre a situação nas áreas menos favorecidas das cidades norte-americanas e a crise que a polícia daquele país enfrentava, com o quadro existente em diversas de nossas principais cidades.
As duas décadas seguintes, demonstraram que o problema não era restrito aos Estados Unidos, todavia preocupava Chefes de Polícia em outras partes do mundo, dado o aumento na manifestação da violência, mormente nos espaços urbanos, conforme visto na primeira parte deste artigo. Os altos índices de criminalidade levaram governos, organizações policiais, universidades, centros de pesquisa e outras instituições a desenvolverem estudos, pesquisas, produzirem relatórios e uma diversidade de trabalhos, dos quais podem-se destacar algumas das principais constatações efetuadas e plenamente aplicáveis à polícia brasileira:
1º. Aumentar meramente o número de policiais ou o orçamento dos departamentos policiais, não resulta, necessariamente, em redução dos índices de criminalidade ou em aumento do número de crimes elucidados.
2º. As rondas a pé, efetuadas de forma regular, produzem muito mais efeito na redução do medo da população quanto ao crime, do que o patrulhamento motorizado realizado de forma aleatória e ao acaso.
3º. A intensificação do patrulhamento em determinada área geográfica reduz os níveis de criminalidade nesse espaço, não por combater ou inibir as principais causas que conduzem à prática delituosa, mas por deslocar o crime para outras regiões.
4º. As investigações criminais têm baixo nível de eficácia na elucidação dos delitos cometidos e informados à polícia. A maioria dos casos nos quais a polícia tem alcançado sucesso, só conseguem ser solucionados através da prisão em flagrante dos criminosos ou da colaboração dos integrantes da comunidade, pelo fornecimento de um nome, um endereço, traços identitários, placas e descrição de veículos, entre outros detalhes e vestígios muitas vezes, insignificantes para os leigos.
Nessa ótica, percebe-se a importância da aproximação e fortalecimento do binômio polícia-cidadão. Deve-se observar que, enquanto a polícia detém o conhecimento técnico, tático e estratégico para o controle da criminalidade, a comunidade sabe onde residem os problemas de segurança mais evidentes em seu espaço geográfico e que lhe provocam a sensação de intranquilidade, além de um inimaginável número de informações acerca das peculiaridades que formam o complexo quadro sócio-cultural de suas relações cotidianas.
Esperar que a polícia sozinha controle a criminalidade é uma inconsequência. A participação da comunidade é essencial para o equacionamento e solução dos problemas afetos à segurança pública. O funcionamento do sistema de segurança e, mesmo, da Justiça Criminal, demanda que os cidadãos vitimados apresentem suas queixas, que as testemunhas relatem os fatos delituosos que presenciaram ou têm conhecimento, que as pessoas tragam informações, que a população, por meio de Ong’s e/ou outras entidades representativas, acompanhem os casos e cobrem das autoridades competentes as providências que forem necessárias à sua solução e que se integrem ao esforço público de combate à violência e aos programas de prevenção do crime.
CONCLUSÃO
O entretecimento de uma aliança entre a polícia e as comunidades é uma tarefa árdua que tem na historicidade dos conflitos entre a destinação legal e factual das unidades policiais brasileiras, no descompasso entre os avanços sócio-políticos da sociedade e a cultura policial tupiniquim e a mútua desconfiança entre as instituições de segurança pública e, principalmente, as camadas menos favorecidas da população. Além disso, os processos de fragmentação e exclusão social a que se vêem submetidas as categorias mais populares, aliados à corrosão e transformação das principais instituições sociais (Família, Igreja, Estado, Empresa e Escola), comprometem valores éticos, espirituais, sociais e cívicos que funcionavam como referenciais, normatizadores da conduta do cidadão, oferecendo substancial contribuição para o crescimento da violência e da criminalidade.
Em um tempo em que profundas mudanças se anunciam à sociedade brasileira, questões como violência e criminalidade puntuam as agendas de discussões nos meios político, acadêmico, social e na cúpula das instituições policiais. É indiscutível a necessidade de reformas estruturais, operacionais e, principalmente, filosófico-culturais, no cerne das polícias brasileiras. Entretanto, diante de tantas iniciativas e programas (projetados, em desenvolvimento e implantados) os quais têm recebido o qualitativo de “policiamento comunitário”, mostra-se crucial que se respondam alguns questionamentos básicos como: que papéis polícia e povo devem exercer, no contexto da segurança pública, dentro do novo modelo social que se pretende para o Brasil? Que modelo a polícia deve estabelecer como parâmetro para o cumprimento desse papel? Que mudanças (e em que níveis e ordenamento) devem ocorrer nas organizações policiais brasileiras a fim de que assemelhem-se a esse modelo? Como buscar uma maior aproximação e colaboração dos cidadãos no propósito do estabelecimento de um novo sistema policial e de segurança pública ?
Quem sabe, por intermédio dessas respostas, a sociedade brasileira consiga definir modelos que atendam ao necessário processo de comunitarização da polícia, que sejam adequados à variedade cultural de nossos espaços sociais e que ofereçam níveis mais satisfatórios de segurança pública, pela minimização da violência e pelo controle da criminalidade.
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[1] Violência, do latim violentia, uma derivação de vis (força, vigor, emprego de força física).
[2] Segundo a análise de Ianni, “uma sociedade global no sentido de que compreende relações processos e estruturas sociais, econômicas e culturais, ainda que operando de modo desigual e contraditório (...) trata-se de uma totalidade histórico-social diversa, abrangente, complexa, heterogênea e contraditória, em escala desconhecida. Esse é o horizonte no qual se desenvolvem a interdependência, a integração e a dinamização, bem como as desigualdades, as tensões e os antagonismos característicos da sociedade mundial(...) aí se fundem o
desenvolvimento desigual e combinado e a não-contemporaneidade, em distintas gradações. São diversidades, heterogeneidades e contrariedades mescladas em amplas proporções.” (Ianni, 1992, 39, 51, 179)
[3] Essas novas organizações societárias e lógicas de pensamento, são decorrentes do processo de globalização e fazem-se representar pelas transversalidades na produção da organização social, como por exemplo, as relações entre grupos culturais, relações raciais, relações de gênero e entre regimes disciplinares, ultrapassando o sentido de classe social (Santos: 1999).
[4] Constituição Federal, art. 144, § 6º.
[5] Verifica-se neste ponto, a manifestação dos casos em que ocorrem a ação de grupos de justiceiros e as mortes, invariavelmente desnecessárias, cometidas por policiais em suas intervenções. V. FERNANDES, Heloísa Rodrigues. Violência e modos de vida: os “justiceiros”. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, 4(1-2): 43-52, 1992; BARCELLOS, Caco. Rota 66: a história da polícia que mata. São Paulo: Globo, 1992; DIMENSTEIN, Gilberto. Extermínio. In: Democracia em pedaços: direitos humanos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 67-97.
[6] As expressões “policiamento comunitário” e “policiamento para a solução de problemas” foram empregadas pela primeira vez no ano de 1973, em um relatório confeccionado por Sherman, Milton & Kelly, denominado “Team Policing: Seven Case Studeies”, publicado pela Police Foundation de Washington D.C. (ver BRODEUR, Jean-Paul. Como reconhecer um bom policiamento: problemas e temas. Tradução Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série: Polícia e Sociedade; 4)
[7] Relatório da Comissão Consultiva Nacional sobre Desobediências Civis.
[8] Ver Skolnick & Bayley, 2002, p. 61.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUDRILLARD, Jean. A transparência do mal: ensaios sobre os fenômenos extremos. Campinas: Papirus, 1990.
BRODEUR, Jean-Paul (org.). Como reconhecer um bom policiamento: problemas e temas. Trad. de Ana Luísa Amêndola Pinheiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. (Série Polícia e Sociedade; 4)
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